Pra
ser escutada - PUBLICADO
EM 27/03/16 - Jornal O Tempo
Autor: Vittorio
Medioli
O
megassistema espião, Echelon, foi criado para vigiar comunicações
em todo o planeta. É administrado pela agência americana CIA e,
depois de 2001, também pela NSA (National Security Agency) e conta
com NRO, que se encarrega, junto com a Força Aérea, de operar satélites espiões das classes Trumpet, Lacrosse, KH11, Mercury e
Mentor.
Compartilhado
por uma aliança de cinco países de língua inglesa cuja sigla é
Auscannzukus, o Echelon, ou “esquadra avançada de combate”,
oficialmente é destinado a proteger a Austrália (AUS), o Canadá
(CAN), a Nova Zelândia (NZ), o Reino Unido (UK) e os Estados Unidos
(US).
Possui
sedes clandestinas em vários países e até uma na inacessível ilha
de Ascensão, domínio inglês, no meio do oceano Atlântico, que foi
palco do exílio e da morte de Napoleão.
O
maior vazamento de dados secretos da história, Wikileaks, furou os
computadores da CIA e se apossou dos arquivos que foram abastecidos
desde 1980 também via Echelon.
Deu
escândalo e revolta. Foi objeto de uma abissal investigação do
Parlamento europeu, revelando estragos surdos em países da
comunidade (menos Inglaterra) que sofreram a invasão de suas
comunicações e arquivos. Muitos, entretanto, aplaudiram o vazamento
dos vazamentos, até Lula.
Na
minha passagem pelo Congresso Nacional, como deputado federal de 1991
a 2006 e como membro da Comissão de Defesa Nacional da Câmara,
requeri em 2001 a convocação do ministro-chefe de Gabinete da
Segurança Institucional da Presidência da República, general
Alberto Mendes Cardoso, para que explicasse a proteção adotada em
relação ao presidente.
Alberto
Cardoso é uma figura de nobreza patriótica, impressionou-me.
Vasculhando, em seguida, a personalidade desse general, discreto e
competente, ainda de um olhar especialmente brilhante, descobri se
tratar de um adepto espírita que opera curas num círculo fechado de
Brasília. Quem diria?
O
resumo da audiência de 9 de maio de 2001, presidida pelo deputado
Hélio Costa, ainda está disponível nos anais da Câmara, acessível
no endereço:
O
simples resumo da audiência seria suficiente para a senhora Dilma
compreender quanto inconveniente e incorretas ao seu cargo de
presidente são as declarações que emite sobre o vazamento de suas
conversas com Lula. Parece não saber que as comunicações
presidenciais “devem” ser preservadas por ela mesma, adotando os
cuidados de segurança que o cargo lhe coloca à disposição.
No
exercício da Presidência, estão em jogo os interesses maiores da
nação, e bem por isso o uso de aparelhagem desprotegida não
deveria acontecer em hipótese alguma.
O
general Alberto Cardoso explicou em 2001 que é inevitável que cada
país possua sua própria tecnologia para proteger informações e
conhecimentos nacionais. Disse: “As relações internacionais hoje
são permeadas pela hipocrisia, de maneira que, nesse espírito, fica
lícito a qualquer país defender seus interesses da forma que melhor
lhe aprouver. Estamos numa ‘guerra fria cibernética’. O
presidente de uma nação deve se proteger e permanecer nos limites
de absoluta segurança em relação a qualquer comunicação”.
Segundo
o general, deve-se usar criptografia desenvolvida soberanamente, e
não comprada, que codifica as mensagens e as conversas da
autoridade. “Para isso, foi criado o Centro de Pesquisas e
Desenvolvimento para Comunicações (Cepesc), como parte da estrutura
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), responsável pelo
desenvolvimento da tecnologia da “chave única”. “Ela permite
que uma informação seja codificada e transmitida uma única vez,
não podendo ser quebrada”, explicou, ressaltando ainda que menos
de dez países possuem essa tecnologia, e o Brasil está entre eles.
“O
mesmo recurso também garante a segurança dos telefonemas do
presidente Fernando Henrique”. A assessoria do general explicou na
ocasião que todos os telefones do presidente e dos ministros possuem
essa tecnologia, o que os salva do grampo.
O
Brasil contava em 2001 com meios eficazes de proteção das
principais autoridades do Estado, colocando-os a salvo até da
tecnologia Echelon.
E
agora?
Aparentemente,
nenhum cuidado sobrou, nem a presidente sabe do Cepesc na estrutura
da atual Abin. A presidente revela por si que ela não adotou um
sistema criptografado nem os protocolos do cargo, preferindo linhas
genéricas desprotegidas. Isso afronta a salvaguarda do interesse do
país, já que é notório que até o timbre de voz de uma pessoa
pode ser codificado e ser filtrado num cabo de fibra que recebe 100
mil ligações contemporâneas. Daí a indispensabilidade dos
sistemas crípticos.
Na
investidura do cargo de relevância nacional, o ocupante assume o
dever do zelo do interesse nacional, evitando o uso indiscriminado de
linhas e meios desprotegidos. Um presidente não pode ignorar isso,
pior se queixar de devassas que estão ao alcance de serviços de
inteligência de potências estrangeiras.
Os
Estados Unidos investem um valor monumental estimado em mais de US$
50 bilhões por ano no desenvolvimento de tecnologias com grupos
privados, como Loocked, Boeing, Raytheon e dezenas de outras. Nas
investigações realizadas pelo Parlamento europeu apareceu,
exatamente que Raytheon usou interceptações realizadas pelo Echelon
(cujos equipamentos ela desenvolveu) para se assegurar a concorrência
bilionária do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) durante o
governo Fernando Henrique, quando a interceptação se deu exatamente
em linhas desprotegidas.
O governo brasileiro é velho freguês.
Acusar
agora o juiz Sérgio Moro de ter liberado a conversa telefônica,
captada em decorrência da quebra de sigilo de aparelhos celulares do
Instituto Lula, é descabido. O que fazia a presidente numa linha
desprotegida? Ela abdicou da defesa do interesse nacional. Não se
pode fazer de vítima.
Ainda
é reincidente devido ao descuido da equipe de segurança que a
cerca. O Wikileaks revelou em 2015 os grampos de 29 linhas
telefônicas de assessores presidenciais, ministros e até do próprio
telefone satelital do avião presidencial, realizados pela CIA. Em
2016, o vazamento na Lava Jato se repete em versão tupiniquim. Quer
dizer que está sendo escutada pelo mundo afora à revelia do
interesse nacional por não usar sistemas protegidos aos quais está
obrigada.
De
certa forma a quebra do sigilo já era esperada desde 2004, quando,
no seu primeiro mandato, Lula substituiu quadros militares
qualificados por civis desqualificados na Abin.
Parece
despropositado, neste momento, se fazer de vítima do juiz Sérgio
Moro, sem antes bater no peito pelo contumaz descuido com a segurança
nacional.
REF:
http://www.otempo.com.br/opinião/vittorio-medioli/pra-ser-escutada-1.1268596
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