domingo, 3 de abril de 2016

Pra ser escutada


Pra ser escutada - PUBLICADO EM 27/03/16 - Jornal O Tempo

Autor: Vittorio Medioli

O megassistema espião, Echelon, foi criado para vigiar comunicações em todo o planeta. É administrado pela agência americana CIA e, depois de 2001, também pela NSA (National Security Agency) e conta com NRO, que se encarrega, junto com a Força Aérea, de operar satélites espiões das classes Trumpet, Lacrosse, KH11, Mercury e Mentor. 

Compartilhado por uma aliança de cinco países de língua inglesa cuja sigla é Auscannzukus, o Echelon, ou “esquadra avançada de combate”, oficialmente é destinado a proteger a Austrália (AUS), o Canadá (CAN), a Nova Zelândia (NZ), o Reino Unido (UK) e os Estados Unidos (US).

Possui sedes clandestinas em vários países e até uma na inacessível ilha de Ascensão, domínio inglês, no meio do oceano Atlântico, que foi palco do exílio e da morte de Napoleão.

O maior vazamento de dados secretos da história, Wikileaks, furou os computadores da CIA e se apossou dos arquivos que foram abastecidos desde 1980 também via Echelon.

Deu escândalo e revolta. Foi objeto de uma abissal investigação do Parlamento europeu, revelando estragos surdos em países da comunidade (menos Inglaterra) que sofreram a invasão de suas comunicações e arquivos. Muitos, entretanto, aplaudiram o vazamento dos vazamentos, até Lula.

Na minha passagem pelo Congresso Nacional, como deputado federal de 1991 a 2006 e como membro da Comissão de Defesa Nacional da Câmara, requeri em 2001 a convocação do ministro-chefe de Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Mendes Cardoso, para que explicasse a proteção adotada em relação ao presidente.

Alberto Cardoso é uma figura de nobreza patriótica, impressionou-me. Vasculhando, em seguida, a personalidade desse general, discreto e competente, ainda de um olhar especialmente brilhante, descobri se tratar de um adepto espírita que opera curas num círculo fechado de Brasília. Quem diria?

O resumo da audiência de 9 de maio de 2001, presidida pelo deputado Hélio Costa, ainda está disponível nos anais da Câmara, acessível no endereço:


O simples resumo da audiência seria suficiente para a senhora Dilma compreender quanto inconveniente e incorretas ao seu cargo de presidente são as declarações que emite sobre o vazamento de suas conversas com Lula. Parece não saber que as comunicações presidenciais “devem” ser preservadas por ela mesma, adotando os cuidados de segurança que o cargo lhe coloca à disposição.

No exercício da Presidência, estão em jogo os interesses maiores da nação, e bem por isso o uso de aparelhagem desprotegida não deveria acontecer em hipótese alguma.

O general Alberto Cardoso explicou em 2001 que é inevitável que cada país possua sua própria tecnologia para proteger informações e conhecimentos nacionais. Disse: “As relações internacionais hoje são permeadas pela hipocrisia, de maneira que, nesse espírito, fica lícito a qualquer país defender seus interesses da forma que melhor lhe aprouver. Estamos numa ‘guerra fria cibernética’. O presidente de uma nação deve se proteger e permanecer nos limites de absoluta segurança em relação a qualquer comunicação”.

Segundo o general, deve-se usar criptografia desenvolvida soberanamente, e não comprada, que codifica as mensagens e as conversas da autoridade. “Para isso, foi criado o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para Comunicações (Cepesc), como parte da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), responsável pelo desenvolvimento da tecnologia da “chave única”. “Ela permite que uma informação seja codificada e transmitida uma única vez, não podendo ser quebrada”, explicou, ressaltando ainda que menos de dez países possuem essa tecnologia, e o Brasil está entre eles.

“O mesmo recurso também garante a segurança dos telefonemas do presidente Fernando Henrique”. A assessoria do general explicou na ocasião que todos os telefones do presidente e dos ministros possuem essa tecnologia, o que os salva do grampo.

O Brasil contava em 2001 com meios eficazes de proteção das principais autoridades do Estado, colocando-os a salvo até da tecnologia Echelon.

E agora?

Aparentemente, nenhum cuidado sobrou, nem a presidente sabe do Cepesc na estrutura da atual Abin. A presidente revela por si que ela não adotou um sistema criptografado nem os protocolos do cargo, preferindo linhas genéricas desprotegidas. Isso afronta a salvaguarda do interesse do país, já que é notório que até o timbre de voz de uma pessoa pode ser codificado e ser filtrado num cabo de fibra que recebe 100 mil ligações contemporâneas. Daí a indispensabilidade dos sistemas crípticos.

Na investidura do cargo de relevância nacional, o ocupante assume o dever do zelo do interesse nacional, evitando o uso indiscriminado de linhas e meios desprotegidos. Um presidente não pode ignorar isso, pior se queixar de devassas que estão ao alcance de serviços de inteligência de potências estrangeiras.

Os Estados Unidos investem um valor monumental estimado em mais de US$ 50 bilhões por ano no desenvolvimento de tecnologias com grupos privados, como Loocked, Boeing, Raytheon e dezenas de outras. Nas investigações realizadas pelo Parlamento europeu apareceu, exatamente que Raytheon usou interceptações realizadas pelo Echelon (cujos equipamentos ela desenvolveu) para se assegurar a concorrência bilionária do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) durante o governo Fernando Henrique, quando a interceptação se deu exatamente em linhas desprotegidas.

O governo brasileiro é velho freguês.

Acusar agora o juiz Sérgio Moro de ter liberado a conversa telefônica, captada em decorrência da quebra de sigilo de aparelhos celulares do Instituto Lula, é descabido. O que fazia a presidente numa linha desprotegida? Ela abdicou da defesa do interesse nacional. Não se pode fazer de vítima.

Ainda é reincidente devido ao descuido da equipe de segurança que a cerca. O Wikileaks revelou em 2015 os grampos de 29 linhas telefônicas de assessores presidenciais, ministros e até do próprio telefone satelital do avião presidencial, realizados pela CIA. Em 2016, o vazamento na Lava Jato se repete em versão tupiniquim. Quer dizer que está sendo escutada pelo mundo afora à revelia do interesse nacional por não usar sistemas protegidos aos quais está obrigada.

De certa forma a quebra do sigilo já era esperada desde 2004, quando, no seu primeiro mandato, Lula substituiu quadros militares qualificados por civis desqualificados na Abin.

Parece despropositado, neste momento, se fazer de vítima do juiz Sérgio Moro, sem antes bater no peito pelo contumaz descuido com a segurança nacional.

REF:
 
http://www.otempo.com.br/opinião/vittorio-medioli/pra-ser-escutada-1.1268596

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